Jack está morto

Você não precisa saber qual é a maconha boa quando não fuma; nem onde vende a boa; nem “que a do jaca tá muito boa, cara”. Na real, quando você não fuma, você não quer nem precisa saber. Tanto faz. Mas um dia, você se encontra morando sozinha e então você pode fazer o que quiser.  Uma dessas coisas é fumar maconha. E por que não? Algumas das pessoas que você mais admira fumam ou fumavam e… Por que não? Você começa a se perguntar: “Por onde começo?”. Difícil começar. Mas seus amigos fumam. Vamos lá! Quem fuma sempre? Felipe, Ryan…

– Felipe, me avisa quando for fazer missão?

Mas ninguém avisa. O buraco é mais em baixo. E quem dera eu estivesse falando da polícia descobrir ou de alguém na nossa cola. Estou falando de relações. E do quanto as relações se cortam em certos pontos. Ninguém avisa a um “não-maconheiro” quando vai fazer missão porque não faz diferença. O mesmo acontece com aqueles que não têm dinheiro para a missão.

O tempo passa. Um dia, na verdade. Você dorme e acorda pensando em outra coisa. Já deixou as drogas em segundo plano. “O que eu faço pra comer?” Essa pergunta acaba com a cabeça de quem nunca teve que pensar nisso. O universo gastronômico tem milhares de opções. E qual vai ser a sua? Vai saber, né? Pega tudo o que tem na geladeira e mistura. De repente sai algo tragável. Você imita o que viu sua mãe fazer e se questiona porque só sua mãe cozinhava quando você morava com seus pais.

Morar sozinha (ou sozinho, sabe-se lá) é um aprendizado e uma série (eu disse uma série?) de descobertas. Você percebe que o Whatsapp vibrava muito mais vezes quando você morava com seus pais. Mas ele vibra o mesmo número de vezes, só que dessa vez você não tem a sua mãe te chamando pra te contar as últimas novidades do trabalho ou seu pai te chamando pra brigar porque você tomou banho quente num dia de verão (40º).

“Ah, mas quando eu morar sozinha essa merda acaba!” Bom, a reclamação acaba. A merda continua. Seu pai não reclamava à toa. A conta de luz é realmente cara quando você quer tomar banho quente todos os dias. Na verdade, a conta de luz é sempre cara.

“E é aquela maconha que te ajuda a dormir, é?” Na verdade, não mais. No começo, funcionava me drogar um pouco. Depois se tornou necessário um rivotril. Como não tinha receita, foi necessário pegar com uma amiga que tinha o famoso contato. Mas como ela era muito preocupada, só me dava um por dia. Tudo bem porque às vezes não tomava e guardava aquele do dia pra um momento mais importante, como, por exemplo, quando estava prestes a ter uma crise de ansiedade.

Ah! As crises de ansiedade! Você consegue se imaginar sufocando? Ao mesmo tempo em que seu coração está disparado e você sente um medo absurdo sabe-se lá do quê? Crise de ansiedade é estar prestes a morrer, mas infelizmente a morte não chega no meio, nem no fim, nem no dia seguinte. E você é obrigado a conviver com a vida todos os dias temendo uma nova crise. Elas sempre te surpreendem, por mais que você já tenha tido outras vezes. Ao mesmo tempo, depois que você já sabe como é ter uma crise, você consegue “fingir costume”: você sabe que está tendo uma crise e finge que nada está acontecendo. Suspira um milhão de vezes, mas consegue até sorrir para não apavorar quem está em volta. Ainda mais se quem está em volta nem sabe o que é ter uma crise de ansiedade.

A vida mudou muito quando as pessoas ao redor mudaram. Tudo ficou mais compreensível mas, ao mesmo tempo, eu comecei a me permitir estar triste mais vezes. Acabou virando um ciclo vicioso: eu fico triste e tudo bem porque ninguém vai me julgar por estar triste; ao mesmo tempo, ninguém me deixa feliz pois o não-julgamento não era à toa; e assim eu sigo, um dia após o outro querendo fazer absolutamente nada nem ver ninguém e tendo que lidar com as consequências psicológicas disso. É como cavar um buraco, dia após dia, e ir caindo nele lentamente. O que está me condicionando a ainda insistir em cavar um buraco é algo desconhecido nas profundezas do turbilhão de pensamentos que me fazem ter insônia quase que todos os dias.

Agora eu passo meus dias esperando o Jack vir me salvar: agora que minha mãe não é mais meu Jack, nem meu pai, nem meu irmão, nem meus amigos. Uma pena Jack ter morrido há tanto tempo…

 

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